quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Réquiem para Um Sonho





Ellen Burstyn é uma das minhas atrizes favoritas. Dona de uma carreira respeitável no cinema e no teatro, com seis indicações ao Oscar e vencedora do prêmio de melhor atriz por sua atuação em Alice Não Mora Mais Aqui (1974), a veterana estrela de O Exorcista (1973) andava meio fora de foco, trabalhando em filmes de pouca expressão, mas voltou a chamar a atenção em 2000, graças a um jovem diretor que também daria o que falar: Darren Aronofsky, que proporcionou a Ellen o papel feminino mais ousado e corajoso do ano em questão, no impressionante drama Réquiem para Um Sonho. Um retorno triunfal de uma grande intérprete, diga- se de passagem.



Em Réquiem para Um Sonho Ellen Burstyn nos oferece uma interpretação absurdamente estupenda no papel de Sara Goldfarb, uma solitária viúva que é fascinada por um daqueles típicos programas de de auditório televisivos. Até que um dia ela é convidada para participar do programa. Almejando apresentar-se usando um vestido vermelho que usou na formatura de seu filho Harry (Jared Leto) e que tanto agradava o seu falecido marido, Sara percebe que não cabe mais na roupa. Enquanto isso, seu filho Harry encontra-se perdidamente apaixonado por Marion (Jennifer Connelly),uma moça rica que sonha em lançar a sua própria grife de roupas. Completando o quadro de protagonistas, temos Tyrone (Marlon Wayans), o melhor amigo de Harry. O que estes quatro personagens têm em comum: todos eles terão os seus sonhos destruídos ao se tornarem viciados em drogas.
Um amigo comentou comigo o que experimentou após assistir a este filme:"Senti como se um caminhão tivesse passado por cima de mim." A definição não tem nada de exagerada. Réquiem para Um Sonho é uma jornada tão sufocante e tão dolorosa que, no papel de meros espectadores, acompanhamos e sofremos com os seus personagens, testemunhamos a degradação física e moral dos quatro protagonistas de forma tão intensa e visceral que, ao término do filme a sensação de pesar e angústia parece nos acompanhar por horas e horas. Ou por dias, como foi o meu caso.


Aronofsky usa e abusa e cortes rápidos - o filme tem mais de duas mil tomadas, quando o normal em uma película de duas horas está na faixa de 600 a 700 cortes - repete insistentemente imagens de pílulas sendo ingeridas, seringas injetadas em braços, pupilas dilatadas e drogas corroendo organismos traduzindo de maneira tão incômoda as sensações dos personagens que, embora à primeira vista possam parecer meras imagens gratuitas, logo se revelam fundamentais e perfeitamente integradas ao verdadeiro propósito da narrativa: deixar a platéia tão perplexa e desorientada quanto Marion, Harry, Tyrone e Sara.


E o melhor de tudo é que com todo esse exercício de estilo, Aronofsky jamais abandona o seus personagens, defendidos por um elenco fabuloso, que aqui agarra com unhas e dentes a oportunidade de dar vida a seres tão brutalizados pelo vício: é admirável a coragem com que Leto, Connelly (sempre linda e aqui mais fragilizada do que nunca) e um surpreendente Wayans tiveram ao representar três jovens desesperados e desencontrados em seus sonhos.
Mas nada é mais aterrador que a trajetória de Sara Goldfarb. Viciando-se em inibidores de apetite para caber no vestido vermelho e assim participar do programa de TV, válvula de escape para a sua existência marcada pelo abandono, o retrato do seu vício e consequente destruição torna-se ainda mais cruel e pungente por sabermos que a idosa sequer tem consciência de que está se tornando uma viciada e que, ao contrário de Harry, Marion e Tyrone, jamais pediu para estar nesta posição. É um retrato impiedoso da solidão e do abandono ao qual os idosos na maioria das vezes são relegados, aos seus sonhos destruídos por uma sociedade que os ignora e os trata como lixo. A cena em que Sara vai se consultar com um médico é particularmente notável nesta crítica ao descaso com a terceira idade.

Em tempos em que qualquer filme apelativo e mediano é logo rotulado de "ousado",Réquiem para Um Sonho reafirma o seu status de cult, sendo uma das obras mais impactantes do cinema ao mergulhar de forma tão incisiva em um tema tão contundente, sem apelar para soluções fáceis ou lições de moral edificantes. Aliás, aqui não parece haver solução alguma. Apenas um pesadelo em estado bruto.

-Requiem for A Dream,EUA,2000

-Direção: Darren Aronofsky

-Roteiro: Darren Aronofsky e Hubert Selby,baseado em seu romance

-Com: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Marcia Jean Kurtz, Louise Lasser, Sean Gullette e Christopher McDonald.







5 comentários:

Leandro S. de Melo disse...

'Réquiem para um Sonho' é cruel. Só assisti uma vez e ainda não tive coragem de reassistir. De cabeça agora, me lembro de outros filmes em que isso aconteceu: 'Oldboy' e 'Dançando no Escuro'.

Francisco Brito disse...

Oi,Leandro,blz?

Vi Réquiem há uns quatro anos e foi devastador pra mim. Resolvi encarar de novo nesse fim de semana e o efeito foi o msm. Visceral,cru,corajoso,sensacional.

Darren Aronosfsky é foda msm.
"Oldboy" eu não tenho coragem de rever não,pelo menos não por ora...

Anônimo disse...

É uma obra-prima moderna, desse criativo diretor chamado Darren Aronofsky.
Todos os atores estão muito bem e com certeza é o filme mais perturbador com um tema sobre drogas que já assisti.
Chico, keep the good work!

Cecilia Barroso disse...

Eu fiquei tão passada quando vi esse filme que assim que cheguei em casa corri para o chuveiro, como se precisasse lavar a minha alma.
Lembro de sentir o coração batendo forte mesmo no banho.
Na Mostra de São Paulo vi um filme ontem que me deixou bem perturbada também: Zebra Crossings.

Achei o seu blog por aí e gostei muito! Parabéns!

Francisco Brito disse...

Cecília-Vlw pelo elogio.Requiém é absurdamente fenomenal.Destruidor msm.