segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A Última Sessão de Cinema


Nos anos 70 o diretor Peter Bogdanovich era tido como um dos cineastas mais competentes e elogiados da época,tendo conseguido a proeza de emplacar três estouros sucessivos com A Última Sessão de Cinema (1971),Essa Pequena É Uma Parada (1972) e Lua de Papel (1973). Infelizmente dias ruins marcaram a carreira do diretor,que a partir do fracasso de Muito Riso e Muita Alegria (1981) não conseguiu mais se destacar no primeiro time de Hollywood, tendo hoje se limitado a dirigir filmes para TV e com apenas um projeto cinematográfico previsto para ser lançado em 2009. O que vem a ser uma pena,uma vez que neste fim de semana pude conferir uma pérola dirigida por ele e talvez o seu filme mais conhecido:A Última Sessão de Cinema, um retrato da desilusão juvenil passado em uma minúscula cidade americana entre os períodos da Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coréia.
Trata-se do chamado filme-coral, onde vários arcos dramáticos vão se desenvolvendo e revelando uma conexão no seu todo. No entanto, apesar de contar os dramas e conflitos dos habitantes da pequena Anarene, interior do Texas, a narrativa dedica atenção especial aos jovens dessa cidade.


Sonny (o talentoso Timothy Bottoms) e Duane (Jeff Bridges,indicado ao Oscar de ator coadjuvante) são amigos inseparáveis. Presos ao cotidiano modorrento do local,ambos têm como única diversão o bar e o cinema locais, administrado por Sam, "O Leão"(papel de Ben Johnson, premiado com o Oscar de ator coadjuvante). O cinema serve muito mais para troca de amassos entre os casaizinhos locais do que propriamente para se apreciar um filme. Duane namora Jacy Farrow( Cybill Shepherd,estreando no cinema, revelando uma incrível sensualidade), e pretende se casar com ela, ainda que o namoro não seja bem visto pelos pais de Jacy, que são ricos e desprezam o rapaz pobretão. Sonny inicia um caso com a esposa do treinador de basquete,vivida por Cloris Leachman(também premiada com o Oscar de atriz coadjuvante).


Com uma premissa aparentemente tão banal, é de se imaginar que se trata de um drama fraco e piegas sobre a descoberta do amor juvenil, recheado de clichês novelescos, mas o foco do filme não está em apresentar rapazes envolvidos em situações amorosas carregadas de melodrama. Sonny e Duane não são personagens burocráticos e sem vida: são jovens presos a um cotidiano miserável, sem perspectivas. Eles buscam o seu lugar no mundo, desejam firmar-se como pessoas bem-sucedidas, mas esbarram na imaturidade causada pela ignorância e pela inconsequência tão típicas dessa fase da vida. Seus anseios são palpáveis e reais, e não dramas inconsistentes e esquemáticos. São personagens facilmente identificáveis e pelos quais passamos a torcer pelos seus destinos, já que o que está em discussão aqui é o futuro: sim, como imaginar um futuro vivendo numa cidade que está fadada ao fracasso e a uma morte silenciosa?


Os adultos também são bem representados: da frustrada esposa do treinador,passando pelo velho Sam até a mãe de Jacy,vivida por Ellen Burstyn, também encontramos seres desencantados, sofridos com casamentos de fachada, sufocados por convenções sociais e fadados a morrerem abandonados e entregues à solidão. O filme ainda insinua de forma sutilmente cruel que Sonny, Duane, Jacy e tantos outros jovens caminham para substituírem os adultos amargurados da pequena Anarene, num triste ciclo de uma localidade que parece emitir os últimos suspiros de uma existência envolta em sombras e decrepitude.


Fotografado em um preto-e-branco adequadamente fúnebre, o que só aumenta a sensação de desconforto e melancolia, A Última Sessão de Cinema é um dos mais tocantes filmes sobre as desilusões de uma geração, resultando em um trabalho primoroso de um diretor que pode até estar meio esquecido atualmente, mas que deixou sua marca no cinema americano, criando aqui um filme memoravelmente poético na sua bem dosada mistura de dramas juvenis e adultos, que por mais diferentes que possam ser, ainda guardam incríveis semelhanças quanto aos seus anseios.


-The Last Picture Show, EUA, 1971

-Direção: Peter Bogdanovich

-Roteiro: Peter Bogdanovich e Larry McMurtry, baseado em seu romance

-Com: Timothy Bottoms, Jeff Bridges, Cybill Shepherd, Cloris Leachman, Ben Johnson, Sam Bottoms, Eileen Brennan, Clu Gulager e Ellen Burstyn.


Nenhum comentário: