sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A Malvada

Bette Davis (1908-1989) , talvez a maior atriz do cinema norte-americano, tinha um carinho especial por A Malvada , carinho este justificado, já que o filme em questão representou o retorno da atriz ao sucesso, uma vez que seus últimos trabalhos haviam sido fracassos de crítica e público. E curiosamente Davis não fora a primeira escolha para interpretar a imperiosa Margo Channing: de Susan Hayward a Ingrid Bergman, passando por Claudette Colbert (esta quase a escolhida, mas não pôde aceitar o papel por motivos de saúde), vários foram os nomes cogitados. Bette, ironicamente, foi escolha de última hora. O resultado de tudo isso é que em A Malvada Davis apresentou um dos desempenhos mais celebrados de toda a sua vasta carreira.

No mesmo ano em que Gloria Swanson deu vida à inesquecível Norma Desmond na obra-prima Crepúsculo dos Deuses, Bette Davis interpretou uma personagem semelhante: uma atriz em processo de envelhecimento. A diferença é que a derrocada de Margo Channing não se dá por meio da tecnologia dos filmes falados( ela é uma diva do teatro), mas sim com o surgimento da dissimulada Eve Harrington( Anne Baxter, aqui no seu melhor trabalho).


O título original é a chave para a compreensão do filme: All About Eve. Numa premiação da classe teatral, a jovem Eve Harrington é laureada com o prêmio Sarah Siddons. Louvada e reverenciada como um novo e vigoroso talento, Eve sorri para todos. No entanto, o crítico teatral Addison DeWitt(George Sanders, numa atuação maravilhosa que lhe rendeu o Oscar de ator coadjuvante) tem uma visão diferente acerca da jovem premiada. Para confirmar esta visão ele apresenta ao espectador outros rostos na festa que não parecem compartilhar da alegria de Eve: o dramaturgo Lloyd Richards( Hugh Marlowe), a esposa dele, Karen( Celeste Holm), o diretor Bill Sampson( Gary Merrill) e, claro a veterana estrela Margo Channing. Por que eles não parecem felizes com a vitória de Eve? A resposta está nos flashbacks narrados por DeWitt, Karen e Margo, que se encarregarão de contar "tudo sobre Eve", ou seja, todos os bastidores da selvagem escalada ao sucesso da ambiciosa novata.


Margo é, nas palavras de DeWitt, "uma grande atriz, uma verdadeira estrela", mas começa a sentir os duros efeitos do envelhecimento, que fatalmente irá lhe diminuir a oferta de bons papéis. Por meio de sua melhor amiga Karen, ela acolhe consigo a sonsa Eve, que logo cativa a todos com sua pose de pobre coitada e fã devotada. Lisonjeada com a adulação de Eve, Margo faz dela sua secretária particular, e muito em breve a veterana estrela será suplantada pela novata de poucos escrúpulos, que utilizará dos meios mais torpes possíveis para a conquista do estrelato.



Roteirizado pelo diretor Mankiewicz, a trama de A Malvada tem toda a sua força concentrada no embate entre as duas protagonistas. Observemos como o roteiro é habilidoso em escapar da armadilha de mostrar Margo como uma mocinha ingênua que é destruída pela pérfida Eve. De fato, Margo é a principal vítima das maquinações de sua protegida, porém é uma figura de personalidade forte, autoritária e de certa forma antipática( atributos que fizeram a fama de Bette Davis, numa interpretação com toques curiosamente autobiográficos). Esta antipatia - típica das estrelas temperamentais - poderia ser vista com repúdio pela platéia,mas Davis, numa atuação extraordinária, sutilmente acrescenta à personagem toques de insegurança e carência, no que diz respeito à sua decadência física e interpretativa, tornando Margo mais humana e palpável. Já Anne Baxter silenciosamente compõe Eve como uma força destruidora. Aproximando-se da veterana atriz com intensa admiração e atitudes subservientes, a moça vai rapidamente tomando o espaço de Margo através de uma artimanha que inevitavelmente seduziria o ego de qualquer celebridade: a idolatria. Afinal de contas, não é da bajulação que o ego das celebridades é alimentado?

Vencedor de seis Oscar, dentre eles o de melhor filme e melhor diretor, A Malvada permanece ainda hoje como um filme atualíssimo, já que em qualquer âmbito social sempre parece existir uma Eve Harrington ávida pelo reconhecimento alheio e disposta a tudo para conquistá-lo, indefectivelmente aparecendo como lobo em pele de cordeiro. E que também no fundo, lá no fundo, todos podemos ser tão cínicos e manipuladores como ela.

Obs.: Reparem na ponta de Marilyn Monroe como uma aspirante a atriz. Então uma iniciante no cinema, ela já conseguia chamar a atenção com sua beleza hipnotizante e num papel de loira avoada.

-All About Eve, EUA, 1950

-Direção e Roteiro: Joseph L. Mankiewicz

-Com: Bette Davis, Anne Baxter, George Sanders, Celeste Holm, Hugh Marlowe, Gary Merrill, Barbara Bates, Gregory Ratoff, Marilyn Monroe e Thelma Ritter.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo excelente texto, Francisco.
Tenho o filme na coleção, mas ainda não vi.
Espero gostar tanto dele quanto de Crepúsculo dos Deuses.

Francisco Brito disse...

Mt obrigado,Ibertson.
Veja o filme,perde por mt pouco para Crepúsculo dos Deuses,mas ainda assim um filme excepcional.
Vlw!

wendell disse...

Penso que Crepúsculo dos Deuses tem um ritmo mais fluente que A Malvada. Feliz Natal atrasado e Feliz 2009 caro xará.